Lâmpada | Conto

Eu comecei a fazer esse texto para um trabalho do curso de artes visuais, mas acabou indo por um lado muito sentimental meu e que mostra bem o quão abalada eu fiquei depois do assassinato de uma pessoa que eu conhecia desde criança.

Estava Dário, esse rapaz de porte alto e desengonçado, a andar por uma rua transversal à Avenida Brasil, rua esta que contava com poucas pessoas transitando ao horário incomum de uma caminhada tranquila.  Quanto mais próximo da esquina que daria para uma ruela sem saída, mais vazia ficava. O seu relógio de plástico amarelo vivo, que via ele uma hora incerta de se encaminhar à casa de uma moça. Já passava das onze da noite. O que ele sabia apenas era que deixara o celular caro, um Galaxy alguma coisa em casa e rumara à casa da pessoa que mais gostava após uma mensagem suspeita, mas que atiçou a sua curiosidade. Só um “Vem cá, estou sozinha.” O relógio não combinava em nada com o moletom azul escuro e a boina verde que usava, mas ele não saberia ter escolhido nada melhor. A rua não havia um pé de gente, um último poste na direção reta de uns trinta metros piscava querendo falhar, e nesse momento ele se arrependera de não ter contado a ninguém aonde ia.
Veja bem, esse adolescente de pouco mais de dezessete anos sabia bem que não deveria se mostrar esperançoso com a garota em questão. Era magro, com diversas espinhas, não só no rosto, mas em todo o corpo, especialmente nas costas. Davam a ele um ar seboso, mesmo que ele domasse banho regularmente. Uma estava especialmente dolorida, no canto da testa, entre uma orelha e uma sobrancelha que se juntava com a outra. Gostava de chamar a monocelha de Taturana, um apelido maldoso de criança, mas que acabou pegando na sua mente imaginativa se tornando uma das suas companheiras mais queridas. Quando se sentia só gostava de inventar que a voz que parecia de outra pessoa falando-lhe conselhos que normalmente não seguia, imaginava a Taturana falando com ele, e incrivelmente, sua monocelha falando lhe parecia menos louco do que replicar com a sua consciência.
 Ela agora estava lhe dizendo para dar a volta e sair daquela maldita rua escura. E ele deveria ter escutado, logo no começo dela quando ainda estava claro e um pouco menos tarde. Agora já alcançara o poste que antes piscava lentamente, agora piscava mais rápido. Poderia ter sido só impressão sua, mas aí ela finalmente apagou de vez. Ele pensou que a pobre lâmpada tinha lutado com todas as forças, mas não resistira. Foi uma pena. Agora a Taturana não falava porque aparentemente a mente se cala quando a adrenalina está muito alta.
A menina em questão, a que havia lhe mandado uma mensagem àquela hora, esperava Dário no portão de casa, a última da rua, logo após o poste da lâmpada recém-falecida. Ela não parecia muito feliz de vê-lo. Até triste. Ele levantou a mão de dedos longos para uma saudação sem jeito, mas não chegou a ver muito mais do que a menina de olhos verdes claros e cabelos cacheados loiros pela água oxigenada e uma pintura mal feita em casa nem sair de frente da gradezinha estreita entre o muro cinza quase do seu tamanho, no auge de seu um metro e sessenta. Ela apenas parecia dizer “eu sinto muito”. O mundo escureceu ainda mais do que aquela rua. O rapaz não mais veria a luz novamente. Eu acordei.
Dizem que as coisas formam como a vida das pessoas podem afetar os sonhos, ou os sonhos podem afetar a realidade. Faz uns dias que um vizinho foi morto por motivações desconhecidas, apenas rumores chegam aos ouvidos. Mas de certo, essa é a versão que a minha mente construiu para justificar e preencher as lacunas. Disseram que era só mais um adolescente perdido. Mas parece que só mexeu com a mulher de homem errado.
"Puxe o gatilho"
Eu não sei bem como me sentir em situações assim. Eu tenho completa consciência de que uma morte é uma situação catastrófica na vida das pessoas, principalmente da família. Perder alguém desse jeito deve ser ainda pior, mas eu não sei processar direito a tristeza do luto. Eu entendo e sinto os problemas, medos e saudades, mas o pesar pela pessoa que faleceu, esse sentimento, eu não sinto.

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