Meu péssimo relacionamento com dinheiro
Desde que qualquer pessoa se entenda e entenda o mundo a sua volta, pessoas desejam ter dinheiro. Independente do que sejam suas prioridades. Comida. Casa. Prazer. Luxúria. Buscando dentro de seus corações, a ganância não é algo incomum. É na verdade, disfarçado com a ideia de estabilidade, confiança, autoestima, desejar poder é que seria algo visto como moralmente questionável. Poder ter, assim como poder ser e estar bem sucedido em vida.
Ainda que querer ter dinheiro seja algo natural e "bom" a ambição sobre carreira também é algo questionável. Depende do que você tiver entre as pernas. E esse é uma coisa que sempre penso sobre o discurso da Chimamanda na música da Beyoncé:
BBHMM |
"Nós criamos as meninas para verem umas as outras como competidoras, não para empregos ou realizações, o que eu acho que pode ser uma coisa boa, mas pela atenção dos homens. (...) Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica dos sexos.” (ADICHIE, Chimamanda; 2012)É a maneira como pegar a carteira do meu pai foi recriminado porque se eu fizesse isso estaria parecendo alguém interesseira. Mesmo que sempre tenham me incentivado a ter independência e estabilidade financeira (aka. vire concurseira) eu nunca fui estimulada a amar o dinheiro como outras pessoas são.
Eu só nunca tinha percebido antes que as pessoas mais encorajadas a isso eram homens, homens brancos, homens brancos ricos, e algumas poucas mulheres brancas igualmente em posições superiores, as pessoas que já tinham condições de se manter, condições essas que as possibilitam viver sozinhas assim que entram na universidade.
A escolha da universidade não passa pela dúvida do que poderá dar o emprego mais fácil com o melhor custo-benefício, a escolha é feita sobre o olhar de o que pode te pagar melhor.
Os interesses dessas pessoas são pautadas em quais são seus talentos naturais, desenvolvidos nos anos de escola, e a escolha do curso é sobre em qual cargo disponibilizados pela família encaixará melhor.
Embora eu soubesse disso, demorou bastante pra que eu lembrasse permanentemente que mulheres comuns, mulheres negras, mulheres como eu, não são direcionadas a gostar de dinheiro; elas tem opção de sobreviver, ou não.
Também, os talentos naturais, interesses, entre outras coisas, são pouco diversas se olhar por um lado generalista. Homens e mulheres tem interesses distintos e isso é algo difundido indiscriminadamente, mesmo que estejamos numa onda de entender a questão de igualdade.
Porém, se os interesses femininos feitos em gráficos fossem colocados em comparação com o masculino, podem até parecer bem distribuídos, em quantidade, mas quando se põe um todos em um único gráfico se percebe uma das piores sacanagens possíveis sobre o mundo capitalista patriarcal. Nossos interesses são basicamente alimentar o mercado, enquanto os deles os fazem parecer mais profissionais e engajados do que nós. Nós, mulheres, perceberíamos que alimentamos o monstro que mais nos aprisiona, que o mercado não foi feitos por nós, mas para nós. E não só mulheres, óbvio. Homens pobres entram na conta, pessoas pobres no geral, aqueles que não comandam nada. Eles são responsáveis pela cultura da ostentação, que nada mais é do que a visão do que é ser rico, vindo de pobres.
Não somos nós que vendemos. Nós compramos.
Compramos os ideais de beleza impostos por aqueles que podem impor.
Gastamos milhares em cirurgias estéticas, roupas, maquiagens, perfumes, tudo o que for possível para não sermos nós. E quem mais ganha com isso são ricos, majoritariamente homens, que exploram nossa fragilidade.
Eu nem queria ir por esse lado, mas acabei indo porque dá muita raiva.
Somos meros fantoches. Eu olho para as pessoas que eu devia me espelhar a serem donas do próprio nariz e elas também estão presas em serem apenas uma ferramenta. Elas vendem, propagam ideais que não quero seguir. Me passam a ideia de que eu não sou feliz sem algo, um falsa ideia de glamour que eu sei que não deveria importar. São influenciadas a influenciarem por meio de coisas, compras, e isso não me interessa.
Não só estética, que serve diretamente para eles no sentido de objetificação, nossos interesses também podem ter viés de maternidade, de casa, casamento. Outras coisas que nos aprisionam em nichos muito específicos como consumidoras, e ainda mais de não-ambição.
A ideia de se ver presa em casa dependendo do homem para comer, vestir, estar viva... é incompreensível que tenhamos nos sujeitado a isso durante séculos. Daí ao invés de rímel, academia e salão de beleza, gastamos comprando fogões, panelas, cortinas, toalhas, fraldas...
Ainda que não seja esse o ponto, é bom lembrar do quanto tudo nos faz pensar que não somos nunca o suficiente, mesmo sendo independentes e inteligentes. É algo também mais cruel para nós mulheres, porque enquanto o homem vende suas capacidades, nós vendemos nossa aparência, como devemos ser, parecer, agir.
Somos criadas para adorar o que nos é dado. Nunca o que merecemos pelos nossos esforços.
Não é algo tão bom você poder sair e comer o que você quiser. O bom, o aceitável, o ovacionado ainda é ser levada pra jantar. Independente de por quem, contanto que seja um homem. Amigo, marido, namorado, pai, filho... nem importa. O que não é algo interessante é você gastar o seu dinheiro com você para algo que não vai agradar nenhum homem.
Independente desse papo feminista que se pode ser lido em massa nas redes sociais, a questão de que eu não aprendi a lidar com dinheiro de modo que eu queira tê-lo pra mim, por mim, e tem sido um desafio constante na minha vida.
Dinheiro é primeiramente uma ferramenta que as pessoas usam para pisar em você; essa é a primeira coisa que eu penso a respeito de dinheiro. É algo horrível, mas é o que a sociedade me impôs. Homens ricos/brancos tem dinheiro para que eles tenham poder sobre a sua vida, o meio de produção de suas riquezas, e também sobre a vida das mulheres; as suas filhas (brancas) terão dinheiro para que elas sejam melhores e possam se vangloriar de terem coisas que pessoas como eu, mulher pobre e negra, não tenho. E se aprende muito a não desejar algo que você naturalmente foi ensinada que nunca terá, ao longo da vida é comum desejar e depois de pensar "não é pra mim, não é pra alguém como eu".
Eu sempre fui contida com gastos. Por um lado eu sou taurina, por outro, eu sou mulher, eu guardo dinheiro porque fui ensinada a ser assim, e outra que sou pobre, então guardo mesmo o pouco dinheiro que tenho. Medo de estar completamente sem dinheiro é visivelmente uma luta entre mulheres pobres, mais do que eu vejo ser em homens pobres. Eles estão tão preocupados em gastar o dinheiro que ganham que não percebem bem isso. Nós somos direcionadas a sermos as pessoas que pensam no quanto podem ou não gastar. Vê-se mais isso quando você escuta tanto hoje sobre o empoderamento por estética. Esses gastos não eram feitos por mulheres periféricas antes, e quando há um aumento de pessoas falando sobre isso você começa a perceber a carência nesse aspecto. Nós gastamos com nossos familiares, filhos e a casa. E eu ainda não consigo achar uma boa a mudança em nossos tipos de gastos, vejo como gastar seis e depois gastar por meia dúzia.
Mas tudo bem, eu sou dessas pessoas que não precisa de muito. Eu sou alguém que entende que algumas coisas são demasiadamente passageiras, eu sei que tem coisas que não duram e outras que sim, e eu normalmente escolho as que duram.
Também, mesmo que eu já tenha sido ligada nisso, hoje eu não me importo com o quanto algo que eu tenha pode ser motivo de orgulho, o luxo não é algo que eu procure, a aparência das coisas me é algo trivial.
Então junta a minha aparente avareza com total falta de ambição e temos alguém que não faz questão de emprego, viagens, dinheiro. E isso é algo péssimo, porque eu tenho consciência de que passou da hora de eu me interessar por tudo isso, de querer o que as pessoas querem aos vinte e poucos anos, mas eu não quero.
Quando estou pensando em futuro eu não penso no quanto eu posso ganhar, eu penso no quanto eu não posso gastar.
E é isso. Eu cresci com um péssimo hábito de nunca ficar sem, mas também nunca querer buscar por ter. Afinal, ser ambiciosa é algo ruim, e eu não quero ser uma pessoa ruim, uma mulher interesseira.
Querer um marido que me sustente também é algo inadmissível, tendo em vista o quanto eu gostaria que a dependência da mulher nunca tivesse existido.
Apesar de ainda ter sido criada para casar e receber afeto financeiro de homens, eu não posso mais desejar ou esperar isso. É o limbo da contracultura. Nem se está inteiramente no futuro, nem é desejável voltar ao passado, enquanto estamos construindo isso aos poucos os desafios são essas crises existenciais sobre como eu e a minha criação se encaixam no aqui, no agora e no amanhã.
Não é que eu não queira um bom emprego. Eu quero. Mas mais do que um emprego que pague pela minha mão de obra, eu quero um emprego que me complete, e que eu não queira morrer toda vez que acordo, mais do que ganhar dinheiro pra comer como meus avós fizeram, e mais do que ganhar dinheiro para comprar coisas como meus pais fizeram, eu quero poder usar o dinheiro pra fazer... o que? A época de consumir por consumir acabou. Eu quero passar para a época da reciclagem sem catadores de lixo. Quero poder ter esse tipo de compromisso com algo maior e melhor do que meu bolso, minha casa, meus filhos, minha carne, meu consumo.
Eu sei que isso também é algo compartilhado por muitos da minha idade, essa vontade de ser alguém que faça a diferença e ainda ser pago pra isso. Só que o agravante de não estar disposta a sacrificar meu potencial em um serviço mediano é causa de muita preocupação, não só dos meus pais, da minha família, mas minha também.
Porque eu quero me esforçar e me tornar alguém responsável, empregada, bem de vida e estabilizada, mas ao mesmo tempo vejo que é inútil, que eu não vou me sentir bem em ambientes em que eu preciso me enquadrar, me forçar a parecer algo que eu não sou, e que na primeira oportunidade eu largaria tudo pra ser feliz, nem que seja vendendo arte na praia.
Tá, provavelmente não é esse o tipo de futuro que eu queira pra mim. Mas talvez seja o mais natural amar aquilo que podemos ser, e não o que poderíamos ter se nos empurrássemos a nos vender.
Umas das causas dessas mudanças de 20 anos atrás é que antes nos vendíamos, mas o ser humano tinha a impressão de estar vendendo algo que ele produzia, um produto.
Hoje temos tão mais consciência do que é especificamente vender a si mesmo, vender estilo de vida, entrar nesse mundo de que tudo é propaganda, tanto que o mundo e tudo se torna estranhamente absurdo; Vemos pessoas que respeitamos se forçando a serem palhaços, atores de sua própria vida, e tudo isso por nada mais que pedaços de papel enquanto tudo o que queremos é nos libertar desse sistema que não nos beneficia.
Enfim, não sei para que lado eu poderei seguir se algo não mudar. O que eu queria era não ter que lutar uma guerra por pessoas que não conheço e não se importam comigo. Sistema esse que não dá a minima se estou feliz, se estou me sentindo competente, aquele que acredita que se pudesse, eu ainda seria uma escrava e que deveria amar minha escravidão.
Quando eu me candidato a uma vaga de emprego me sinto como uma pessoa entre a cruz e um machado. Tanto porque sei que sou melhor do eles precisam, e poderia me sentir um peixe grande demais em um aquário muito pequeno, tanto quanto sei que é muito provável que eu não seja escolhida. Eu nunca sou o "perfil que eles precisam". E em parte, eu vejo que é bem por isso que meu pai me quer tanto na estabilidade que ele próprio conseguiu.
Mesmo assim, eu não me sinto tão triste sendo rejeitada como eu me sinto quando me proponho a me inscrever em concursos públicos. Eu já deixei umas duas vezes de ir, mesmo tendo pagado pra fazer a prova. É um jeito do meu cérebro me dizer o que eu já sei.
Me dói ter que fazer isso, me angustia. Essa angústia foi o que resulta nesse texto. Ele não mostra todo o porque de eu não querer cargos públicos, o buraco é mais embaixo também por questões ideológicas e psicológicas minhas.
Mas se pudesse começar a explicar, esse seria um bom começo.
Bitch better have my money - Rihanna |
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