Capítulo 1 - MINIMAL - Parte 3

Isso não é um guia pra um apocalipse zumbi, mas eu considero que já estamos em um. Os zumbis podem não ter suas partes do corpo descolando, não serem visualmente nojentos, nem literalmente quererem comer o seu cérebro. Mas eles vão fazer você mesmo canibalizá-lo.
Os zumbis são criatura que não estão mortas. Mas também não vivem. Eles não pensam, tem o único instinto básico, que nem os serve. Eles comem, mesmo que não precisem comer. Eles não sabem que não precisam, mas se deixar irão fazer você ser um deles.
Quer melhor metáfora pra vida de total consumo e degradação que vemos desde que nos entendemos como pessoas vivas e individuais? Nós vemos, mas não entendemos. Resultado: nós somos os zumbis.
Vivemos para estocar. Temos um medo curioso de perder as coisas que conquistamos. Nos envenenamos com um ódio que não cabe em nós por outras pessoas terem mais do que achamos que precisamos. Pode ser de dinheiro, roupas, artigos de luxo, revistas e livros que nunca lemos, comida... estocamos comida nos nossos corpos como se precisássemos, como se não pudéssemos comprar sempre que quisermos, na quitanda ou mercado pertinho de casa.
Mesmo que nem saibamos porque uma coisa ou outra faria diferença nas nossas vidas. A felicidade de saber que não precisamos de nada disso, nos faria muito mais em paz com a tal "zumbificação". E um dia você morre. E nada disso importou. Na fantasia do mundo apocalíptico, consegue ser ainda mais triste, porque você nunca vai conseguir morrer. É ter essa sensação de vazio nunca sendo satisfeito por toda a eternidade. Isso sim é difícil. Esquece as dificuldades dos sobreviventes humanos, esse é o drama real. Depois que se para de pensar completamente, a fome de tudo o que não vai te nutrir é o que resta.
Ninguém pode te ajudar depois que você vira um zumbi.
Nós evoluímos rapidamente com essas analogias ás criaturas fantásticas. Antes esses eram os lugares que os vampiros ocupavam. A fome, e o sofrimento de nunca poder morrer... Mas depois de um tempo e diversas histórias românticas depois, eu imagino que essa ideia se perdeu. A relação que eu vejo com os vampiros agora é a mesma, mas eles não são sem cérebro. Eles pensam além da fome de sangue e da energia vital das pessoas vivas, mas muito do "amor". O sentimento de apego a um objeto específico de desejo.
O que estou tentando dizer, e o que você ouve por aí nas entrelinhas desde que os últimos sucessos vampirescos surgiram no horizonte de grande parte do público é: eles são sanguessugas de amor e alegria, a vida e sangue de suas vítimas. Eles tem todo o tempo do mundo, e usam isso pra amar o apego que tem ás sensações que eles não podem ter mais.
Eles não morrem sem sangue, mas se sentem famintos e desesperados por ele tanto quando os zumbis por cérebro ou carne humana. Eles são criaturas naturalmente solitárias, que em tese não precisam de ninguém mas sentem necessidade de criar vínculos com os vivos de tempos em tempos. Quando vivem do passado é algo triste, e quando vivem o presente estão consumindo coisas que não os completam.  Eles não amam as pessoas em si, amam "amar", a ideia de que podem amar alguém para todo o sempre, se negando a seguir em frente e amar a si mesmos. Nada os completa mesmo com a consciência de que podem ter tudo. Por isso temos as histórias de total dependência emocional. É tudo uma questão de "eu não posso continuar essa existência sem você", "eu sinto com mais intensidade que outros seres", "eu posso te amar por centenas de anos", etc.
É tudo sobre uma pessoa depressiva. "Eu estou aqui vivendo do passado, morto(a), só que não consigo esquecer a vida que tinha antes, até que aparece uma pessoa e mesmo morto, tudo o que eu posso fazer é amá-la." E descreve muito bem relacionamentos com pessoas depressivas. "Eu posso te dar imortalidade, e o que você quiser, mas você precisa se tornar igual a mim e/ou ficar comigo para sempre."
A ideia do amor ser entregue de mão beijada a uma pessoa que acha que não merece ser amada é também muito surreal, por isso totalmente definido como fantasia. Parafraseando RuPaul "se você não se ama, como diabos amará outra pessoa?"
Novamente dentro da história, depois que se vira um vampiro, que é uma existência literalmente mais penosa do que um zumbi, pois tem tempo e capacidade de repensar como lidar com a sua "não vida", porém escolhe não fazer nada de útil, não dá pra voltar ao estado de oportunidades que a vida já teve um dia. Ao mesmo tempo, isso é não aproveitar nada das opções que tem agora.
E tem também a minha analogia favorita. De que você está preso em um mundo alternativo, e que precisa sair. Vemos essas histórias de vez em quando, mas dependendo do momento, podemos ver como uma simples ficção, ou como as coisas se relacionam com esse plano que vivemos. Estou falando de Matrix, e a ideia de que isso o que vemos e vivemos é apenas uma realidade criada por outros para nos controlar.
Existem outros exemplos sobre isso, esse conceito de realidade alternativa baseado no que você é de verdade, e o que a mente projeta sobre você em um estado de inércia sobre o que as pessoas não veem, mas é real. Muitas pessoas sentem, mas sem uma pessoa de fora para mostrá-las e resgatá-las, é como bater nas paredes almofadadas de uma manicômio berrando para todos de que não está louco.
Infelizmente, pelo apelo visual que Matrix tem, as pessoas costumam nem considerar a fundo as suas ideias. Muito porque o filme deixa isso completamente em aberto. Não se fala que você é controlado com a ideia de felicidade por produtos e uma realidade produzida por diretores e produtores, como em O Show de Truman por exemplo. Deixa muita margem para interpretações diferentes. Nesse o personagem tem ajuda como o Neo, mas é simples decisão e vontade dele sair e descobrir o que há de real no mundo.
Mas Matrix nos mostra os nossos "monstros" por uma ótica muito específica. E é isso o que faz do filme muito certeiro na questão embora ele falhe no quesito de te mostrar onde começar a buscar a liberdade por você mesmo. A conversa da Mulher de Vermelho é um dos mais significantes do filme. Morpheus fala "se você não é um de nós, então é um deles." O QUE SÃO ELES?
P.s. Eu vi um vídeo a algumas semanas que falava que a Matrix era o marxismo cultural... sinceramente fechei o vídeo mais por que ele limitava tanto o assunto a uma coisa tão específica, que isso tiraria o foco do que realmente importa. Na posição de quem não acredita, seria o capitalismo, e do que não acredita nisso, outro modelo ideológico/político/econômico.  Tantos pontos de vista, tantos sapatos a provar, tantas opções. Mas o que importa a uma pessoa só? O que importa pra mim,  sou eu. E o que eu preciso fazer é sair dessas amarras de opiniões, de diversos cérebros pensando por mim. Não entrar em mais uma, com uma visão limitada sobre um pensamento tão mais grandioso, um conceito mais profundo. Que é o que eu sinto.
Eu vi bem depois outro filme sobre o mesmo assunto, que foi do mesmo tempo que Matrix. 13º andar mostra de maneira mais simplificada o conceito que eu não consegui ver por muito tempo. Ou só esqueço com facilidade por condicionamento. E é, que mesmo que você possa fazer tudo o que quiser dentro da sua mente, você não faz nada, nem o que queria, no mundo real. Estando plugado, e sabendo do que está fazendo e que está em universo paralelo, você tem uma liberdade não livre. Não dá pra sair do mesmo ambiente que construiu. E é por isso que eu decidi por em escrito o que acontece na minha Matrix. Talvez assim, eu consiga quebrar todas as algemas.

Comentários

Anônimo disse…
Oi Srta Kadov, Finalmente li um 2.o texto seu.(Minimal 1-3) (Demorei para fazê-lo depois de começar umas 3 vezes e parar em 5 ou 6 linhas. Gosto de ler quando sinto o dia calmo e parece que está sendo hoje). Mais uma vez fica claro sua capacidade de expor suas ideias. Muito bom também esse post. Parece que estou viajando em sua mente.

Curiosamente hoje estou finalizando minha mudança de casa e passei exatamente pelo que vc disse “Eu comecei um projeto de minimalismo, me livrar de coisas que eu não preciso” e vi minha quantidade de itens diminuir em 1/3 ou mais.

A nossa mente é facilmente fisgada por coisas que nos trazem sensação boa mas depois de um tempo que percebemos que não precisávamos daquilo precisávamos era de satisfazer nosso ego ainda que fosse de forma momentânea embora as vezes negamos isso e entra a frase que vc bem lembrou “ah deixa ai que um dia eu posso precisar.”

No meu caso as vezes uso de me desfazer de coisas como uma possível parte de uma terapia criada por mim mesmo rs*. Como se me desfazendo de coisas me ajudasse a me desfazer dos tristes momentos que já vivi por querer somente ser o que sou e fazer apenas e principalmente se aquilo me da prazer.

Sua analise e suas analogias são sensacionais.
Estou praticamente já ficando viciado em ver vc. Ou seja se vc fosse uma escritora eu provavelmente compraria seu livro.

Bjss

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