Os bodes de adultice e a amável responsabilidade | Vivendo Só

Hoje é sábado, dia de pedir água (e dia mundial da faxina).
Ontem eu desisti de dormir fora pra poder pedir água. Olha que complicação pra uma coisa tão simples quanto comprar um fuckin butijão d'água;
Hoje eu acordei e lembrei que eu TINHA que pedir a água. Veja bem, acabou os dois garrafões que minha mãe tinha pedido na última vez que veio passar uns dias aqui.

Senta que lá vem história:

Como foi a tentativa de adaptação para a vida adulta?! Foi tranquilo, porque eu não podia passar muito tempo em casa. O problema de falta d'água recorrente, a má administração da COMPESA me deixou na situação de "é, eu vou pra casa de painho lavar roupa, fico por lá ou no curso a maior parte do tempo, e depois volto, e dou uma limpada bem rápida e à seco nas coisas quando eu voltar". Agora a água está vindo com uma certa regularidade (eu vou tentar explicar esse rolê quando eu puder e tiver tempo pra escrever) e as coisas tem que ser lavadas e limpas aqui mesmo.
Outra coisa, eu estou bebendo muito mais água agora e minha mãe está passando bem menos tempo em suas visitas aqui, o que modificou finalmente e completamente a minha rotina.
Como eu estudava pela manhã desde o semestre passado por questões de logística, já que eu não tinha mais ninguém pra ficar com a minha filha, eu normalmente não tinha tempo pra pedir água, então era uma questão que eu delegava muito. Tanto quanto cozinhar, porque eu pagava hotelzinho pra não precisar cozinhar pra Anne, e ficava aqui só comendo uns ovinhos cozidos com salada, pão e uns cremes e sopas que eu curto fazer periodicamente.

Agora, ano novo, vida nova.

A água está chegando e eu preciso me acostumar a fazer tudo.
O primeiro mês nunca é o decisivo porque ainda comi muita, mas muita comida que sobrou do ano novo, tive bem mais contato com a minha família, passei boa parte dessas férias nas casas deles. Mas cheguei em fevereiro com as responsabilidades batendo nas minha costas.
Anne em outra situação de escola, eu na mesma, mas tendo que equilibrar os horários das duas e a alimentação e a hidratação precisam ser o foco da minha vida agora e porque definitivamente não podemos ficar doentes. Precisamos estar fortes pro carnaval, que anda prometendo muito.

Voltando à questão de pedir água mineral, eu preciso dizer, eu tenho uma certa dificuldade.
Odeio falar pelo telefone, que não seja com o meu pai. Porque ele fala igual a mim, pausadamente, e não fica naquela expectativa de eu falar tudo de uma vez. Também entende que eu falo muito rápido quando o pensamento finaliza.
Ou seja, minha fala no telefone é bem mais confusa do que pessoalmente, que já é bem tensa.
Graças à tecnologia eu não passo nem áudio, eu prefiro textos e eles me preferem. As pessoas também preferem que eu escreva (pelo menos é essa a sensação que eu tenho).

Pedi água agora.
Primeira vez que eu realmente faço isso sozinha, eu percebi.
Antes mainha sempre fazia por mim.
Finalmente, tomei conta da casa.

Porque lavar, arrumar, limpar, cozinhar é algo que eu sempre fiz, porque (apesar das controvérsias e das acusações de nunca fazer nada além de escrever) eu tenho me tornado essa dona de casa desde que eu me tornei mãe.

Saber fazer o básico pra sobreviver era o mínimo. Mas fazer coisas que eu não gosto e não sou boa pra fazer, como pedir água pelo telefone, é algo que me diz com todas as letras que eu cresci.
E estou feliz com isso.

Não em ter tudo nas minhas costas. Quando algo dá errado, dá muito errado porque a responsabilidade é minha. Mas é uma responsabilidade amável.
Sou eu comigo, me cobrando, mas não me desmerecendo.
Se eu não comprasse água, o máximo que eu teria que fazer era chegar mais tarde na escola pra comprar no meio da semana, ou ter que comprar um garrafão menor só pra não ficar com sede no domingo.
Diferentemente de quando eu tranquei minha chave dentro da garagem e tive uma crise de pânico porque já vinha subindo a escada imaginando as merdas que eu ia ouvir quando contasse o que aconteceu.

Hoje eu consigo dormir no quarto que era da minha mãe, e até estudo a possibilidade de modificar completamente as coisas do armário pra por no qual eu venho realmente usando. Ainda volto pro meu quarto antigo, porque foi onde eu passei meus bodes por mais de 23 anos, mas chego à conclusão de que eu finalmente estou em outro lugar, e outro lugar não só de ambiente, mas hierárquico. Hoje sou eu que mando o volume diminuir. Hoje sou eu que tenho que arrumar a cozinha, hoje sou eu que compro a minha feirinha, e embora ainda não trabalhe e nem sobreviva com o MEU dinheiro, eu já consigo pensar na possibilidade sem me desesperar por falta de condições emocionais.

A minha responsabilidade não me dói quanto a ideia dela me doía a bem pouco tempo atrás.

É claro, é chato ter que lidar com baratinhas quando você acorda de madrugada e perceber que é porque você não anda limpando as coisas como deveria.
Mas convenhamos, lidar com insetos de vez em quando não é nem de longe comparável a ter que viver com alguém que diminui todos o seu trabalho pra se sentir melhor e útil.

E eu não vou tentar ser adulta demais e descartar o que faz eu ser eu mesma. Não vou tentar fazer parecer que eu amo café quando me oferecerem. Não vou dar uma de altiva e despreocupada quando eu não tiver ideia do que estou fazendo. Não vou deixar de parecer a jovem que eu sou e de surtar de solidão quando não tiver ninguém em casa pra eu discutir.
Não vou começar a gostar de beje na casa, porque eu odeio demais essa cor de parede e preciso mudá-la.
Não vou ser superior quando eu não acho que sou e não sou de verdade; E vou ser bem sincera:
Ainda estou bem puta pela minha mãe ter me trocado por um lixo que eu considero o cara com quem ela se juntou. Não vou dizer que estou mega feliz porque eu não o considero digno dela. Mas tenho que admitir que amei que ela tenha ido embora. Nosso relacionamento é mais tóxico e melhora muito quando estou longe, então qualquer que seja meu ranço por ele e pelas ações e discursos dela, eu amo que ele tenha levado ela pra longe. E que ela viva hoje o que ela queria ter vivido se eu não tivesse vivido.
Que seja "filiz", se puder. - Lisbela e o prisioneiro



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