E O CICLO SEM FIM?

Hoje é um daqueles dias "preguiçosos" em que não se faz muito além de ficar na cama. Acabou o feriado prolongado que demorou de verdade pra passar. Com a tentativa de passar mais tempo em terra do que em meu universo particular, eu tenho sentido de verdade o poder do tempo, tanto passo mais firme aqui, contrariando com garra o meu dosha mais proeminente (vata) e passar um tempo neste planeta. Passo entre os dois mundos diversas vezes a uma velocidade absurda, mas tenho tentado permanecer mais aqui, juro.
O tempo é uma coisa engraçada, quanto mais ansioso você fica pra que algo aconteça, mas o tempo relaxa e se espreguiça como um gato preguiçoso, só vendo você esbravejar querendo limpar o sofá onde ele está sentado, ou dar espaço pra aquele seu amigo chato que não curte gatos ou atrasos. Ao mesmo passo que quando se está com medo que algo ocorra, e que inevitavelmente vai acontecer, ele vira um tigre querendo pegar sua presa. Ou um gato mesmo, tentando as lagartixas como a minha "gatoelha" preferida de vez em quando tem a bondade de tentar alimentar seus vizinhos favoritos aqui do condomínio.
Isso dá muito pano pra manga, comparar o tempo com gatos. Mas eu tive essa impressão enquanto fazia massagem de óleo nesse fim de semana, acho válido fazer a conexão. A relatividade do tempo e tudo mais... eu acho que estava pensando em como a minha infância (e a de quase todo mundo que eu conheço, acho) foi repleta de ansiedade e espera para quando fosse grande, bonita, mais velha e dona do seu próprio espaço, enquanto agora quando mais velha, penso mais no passado do que tudo. E olha, considerando que acabo de começar a casa dos 20, supõe-se que nem seria tanto passado assim pra se pensar.
Mas incrivelmente isso ocorreu desde os meus 13 anos, quando a depressão começou a me morder de verdade. O que antes era um hamster, às vezes chato, às vezes fofinho, começou a virar um rato e pouco tempo depois um "gabiru", "timbu" e qualquer nomenclatura que você encontrar na sua região para um rato nojento, grande e gordo, sempre atrás de lixo. Infelizmente esse lixo todo vinha da minha cabeça, e alguns deles se instalaram por muitos anos por lá, porque sempre tinha remessa nova de alimento.
Lendo sobre espiritismo, e karma e outras coisas ultimamente eu passo a fazer uma reflexão sobre a minha infância; eu passei muito do meu tempo ansiosa querendo ser o que ainda não era, e a outra sofrendo por problemas que não eram os meus, mas que eu trazia todo o sofrimento do mundo pra mim. Depois de um tempo, e de sofrer "sem motivo" pelos outros, comecei a pensar que não merecia em suma as graças que sempre tive na minha vida, o que me trouxe ainda mais sofrimento e lamentação e o que enfim, alimentava os ratos. Por que será que o meu karma era sentir por todo mundo?
E não é exagero, eu sei, porque lembro claramente de estar na cama dos meus pais chorando sem qualquer motivo e chorar mais ainda quando passo pelo meu quarto e vejo minha mãe vendo um filme sobre a seca brasileira. Nem lembro se a própria estava chorando, mas lembro de ver o rosto de sofredora de Regina Casé no filme, voltar para a minha cama confortável e chorar mais algumas horas de puro desespero e pânico por não conseguir dormir e não achar um único motivo pra chorar que fosse meu, e pensando em todas as pessoas que morriam de fome e sede no mundo. Mas mesmo assim não conseguia parar. Eu devia ter entre 10 e 11 anos. Até hoje a lembrança me apavora. Porque porra eu sofria tanto? Por quem, se sabia que isso não ajudaria a alimentar ninguém (além dos tais ratos)?
Poderia dizer que era algo normal para alguém que menstruou e começou os primeiros ciclos menstruais e picos hormonais nessa fase. Mas a tristeza que eu sentia não era exatamente apenas o desânimo que me acompanha todo mês, alguns dias antes do "sangue descer"; poderia também ser que como a pessoa mais nova da família por um certo tempo, a mais caladona, a filha única que não era muito ativa, a que ficava horas presa na frente da TV ou de um quadrinho, ou de um livro (mesmo que não estivesse entendendo nada, mas só pelo fato de já reconhecer as letras e algumas palavras), e consequentemente a mais esquisita, eu estivesse me impondo o jeito clássico de geniosinhos de diversas fontes diferentes, e me afundando na depressão por "capricho", ou por "não ter nada melhor pra fazer".
Assim como a minha mãe disse uma vez, era como se eu não quisesse sair porque eu "controlava todo mundo" com a minha tristeza. Uma visão bem limitada do que era a coisa toda. Principalmente porque ela mesma era psicóloga, e eu mesma lia diversas coisas dela própria quando era a criança esquisita, e sim, eu por consequência sabia exatamente o que eu tinha. Desde muito cedo, e logo depois de começar as crises de insônia eu sabia que precisaria de remédios e terapeuta por saber que era uma doença que afetava o meu cérebro. Poderia não saber explicar com clareza e certeza o que me deixava triste, e isso é uma pergunta que não foi embora, mas sempre me vi como alguém que precisava de ajuda.
Devo reconhecer, sempre achei a ideia de múltiplas personalidades muito interessante. Se fosse pra escolher alguma doença mental, escolheria essa, definitivamente. Se pergunte, porque alguém escolheria o cansaço mental crônico onde você não tem coragem pra nada, além de passar a madrugada se culpando porque outras pessoas tem um milhão de motivações melhores pra ficar triste, muito melhores que a sua?!
Lembro de ter me dado o diagnóstico de depressão aos 12 anos e falar pros colegas de classe e eles me darem uma aula de como a avó de um, e a vida do outro eram muito mais duras que a minha. E eu só consegui ficar mais triste, embora tenha ido à igreja a convite dessa menina que "tinha mais motivo pra ter depressão, e não tinha". A verdade é que eu absorvi a tristeza dela, entendi o motivo do sofrimento e incorporei ele. Tecnicamente, eu realmente tive a doença que eu queria, mas não era desse jeito que eu esperava.
Eu sempre quis uma outra personalidade que fosse o oposto de mim, então eu poderia deixar de ser a esquisita, e deixar essa outra personalidade fazer tudo o que eu tinha muito medo de fazer sozinha por me achar feia, chata ou lenta demais pra fazer. Eu criei milhares de personagens tentando fazer com que isso desse certo, e nunca deu de verdade.
A única coisa que me trouxe foi uma tendência a me embriagar em festinhas do colégio, mas isso era meio óbvio dada a combinação {(garota deslocada + timidez) + (amigos deslocados + tendência a gostar de coisas de adultos) x ansiedade para deixar de ser você e se tornar algo "melhor"}. Só que eu nunca "me tornei" essa outra pessoa; eu podia beber o que fosse e eu sempre seria a mesma menina baixinha, deslocada e bem, uma criança. O que me fazia beber ainda mais, brigar, gritar, ser chamada de rebelde sem causa, e no fim das contas, querer morrer.
Felizmente, essa fase passou. Depois de um tempo dizendo que o problema eram as pessoas com quem eu convivia no colégio eram o problema, que a pressão de querer ser o que eu definitivamente nunca ia ser era o que estava me levando(e levaram mesmo) ao que eu chamo de primeira tentativa de me matar. As outras não foram assim tão sérias, mas essa primeira assustou não só aos meus pais, mas a mim também. Saber que eu realmente podia morrer me trouxe medo do poder de controlar a minha vida. Porque eu queria me matar todo o tempo que eu estava sozinha, e na maior parte do tempo, eu estava só. Nem interessava se tinha alguém do meu lado, eu estava completamente isolada do mundo real, e bem distante do meu mundo imaginário. Um limbo. Ou o inferno, talvez esse nome combine mais com o local em que eu me encontrava.
Nessa época a minha realidade era pesar o peso que eu tenho hoje, só que medida em marte. Um pouco mais, um pouco menos, depende. Eu não estava mais contando calorias e indo a farmácia todo dia me pesar, sendo que a última vez tinha sido uns 39kg. Mesma altura de sempre, desde os 12 anos, quando eu definitivamente parei de crescer pra cima. E só tinham se passado dois anos!
Um anos depois desse primeiro Reich da depressão, eu tinha saído da crise. As coisas pioraram muito antes de melhorar, diversas idas a psiquiatras, médicos, nutricionista, o que me fez bem de verdade foi ter me tornado outra pessoa. Que era eu, mas não era eu de verdade, isso sempre foi meio confuso mesmo. Foi a fase do cabelo amarelo, é tudo o que eu posso dizer. Foi um reinado complicado o da princesa [vide Parte 2]
O segundo foi no tempo que meus pais estavam se separando, mas novamente, eu sofri por problemas que não eram mais meus, e eu sabia disso. Sabia já que não deveria sofrer e que isso me levaria ao mesmo lamaçal de tristeza. Saber não necessariamente me deu base para "não sofrer". Falando nisso, encontrei até vários obstáculos a me manter distante da dor dos outros. A frase que mais escutei na vida nunca tinha sido mais dolorosa: "Você é tão egoísta, Débora!".
E olha só, foram três anos de quase felicidade, só com um filhote de rato pra me consumir, vez ou outra, porque era tão óbvio pra mim que o casamento era algo frágil, assim como um museu de porcelanas antigas. E era difícil saber se eu era um elefante ou um curador no meio daquele casamento específico.
As pessoas não consideram que você deve fazer o possível pra sobreviver em tempos difíceis. Acabar com um relacionamento tóxico, me distanciar emocionalmente de pai e mãe e eventualmente engravidar sem querer foram as coisas que eu mais deveria agradecer na vida. Eu duvido muito que meus pais teriam conseguido me segurar de uma segunda tentativa de suicídio "real" (tiveram outras, mas eram mais pedidos de ajuda silenciosos, não como a primeira), já que eles mesmos estavam mais frágeis que as tais porcelanas.
Difícil dizer que a morte de uma amiga por suicídio não tenha consolidado de vez a ideia de que eu definitivamente não poderia morrer desse jeito. Tive tanto medo de mim quanto naqueles dias no hospital, aos 13 anos. A sensação de estar mais próxima da morte é definitivamente reveladora, embora nem um pouco agradável. Decidi uma semana depois da morte dela que nunca mais queria estar tão próxima de querer morrer a ponto de tentar, então devo agradecer a essa amiga também.
Mas considerando a relatividade do tempo, as coisas foram rápidas, mas incrivelmente torturantes. Olhando pra trás, tudo parece como um filme de duas horas. Ou um texto escrito em quatro, como esse.
Quando ratos estão comendo seu cérebro é dolorido e devagar desse modo contraditório. Mas é só pra você e pra quem está sofrendo com você, que no caso, eram os meus pais, meus avós, minhas primas, e um ex-namorado (eu não tinha amigos próximos na época do primeiro Reich, era só ele mesmo). Falando nisso, falei com ele nos últimos dias e descobri, com surpresa, que se passaram 8,9 anos depois que terminamos e paramos definitivamente de nos falar. O motivo principal era justamente por eu não estar nem um pouco bem naquela época, e depois por não ter tido coragem de reconhecer que eu estava muito pior do que eu já pensava que estava "na época". Nem bem reconhecer, mas falar sobre o assunto com uma pessoa que estava próxima, e que me viu destruída.
Talvez esse seja o meu principal desafio pessoal neste momento. Falar abertamente sobre o que aconteceu naqueles anos que pareciam infinitos, e que mesmo assim, passaram num piscar de olhos (de verdade, pouco mais de uma década se passou desde as primeiras crises de insônia e parece uma vida inteira).
Mas voltando a esse ano, passei o fim de semana prolongado sem Anne, sem muita rigidez com horários (como venho tentando organizar a vida de uns 2 meses pra cá, até pra me ajudar a ajudá-la). O fim de semana foi inteiro só pra mim, e eu passei muito tempo só fazendo o que eu queria fazer. 80% do tempo deitada ou sentada na cama. Comi besteira ao invés de almoçar, lendo mangás em diversas línguas, brincando com um jogo de montar, indo encontrar com amigos próximos (que ultimamente não estão tão próximos, mas "o que vale é o que importa"), lendo um livro que a um tempão estava pra começar. Agradecendo cada minutinho pra mim que esse fim de semana me trouxe, hoje escrevi tudo o que fiz esses dias porque cheguei ontem à noite com uma sensação terrível de cansaço e sensação de "você não fez nada de produtivo esse fim de semana!". O que não é nem de longe verdade, visto que só ontem eu andei de bicicleta, descobri coisas escondidas lá na garagem enquanto passava um bom tempo fazendo limpeza na mesma com a minha mãe.
Mas quando Anne chegou, e pra falar a verdade, enquanto eu estava esperando ansiosamente que ela chegasse, me vi inútil quando não estou cuidando dela, ou sendo mãe em tempo integral, como gosto de chamar. Ter um tempo pra mim, mesmo que com coisas que eu amo, fazendo só o que eu gosto de fazer, é algo que me remete aos tempos de depressão. O tempo em que eu tinha tempo demais pra pensar em mim e no meu lugar no mundo, e que no final do dia me prendia numa cela onde nada me agradava além de estar sofrendo por todos os problemas de todo mundo. Loucura, certamente. Eu só sou eu, e só posso ser eu. Nem Anne, nem meus pais, muito menos todo o resto do mundo.
Hoje a explicação do súbito (e rápido) momento de tristeza por não estar dedicando a minha vida a outras pessoas veio em forma de sangue. Ah, menstruação! Não uma recaída, era TPM. Uma pressão uterina linda me lembra que sim, todo mês o meu corpo chega a conclusão (para ele, terrível) de que eu não estou carregando nenhum bebê;
Devo lembrar também que parte da minha mudança de humor na fase da adolescência foi na época que eu tomei anticoncepcional pra parar minha menstruação, por volta dos 15 anos. Basicamente, passei de picos de euforia à tristeza, a tristeza em período integral. Justamente para controlar um problema de descontrole hormonal. O tal dos cistos policísticos, sem causa definida, mas que sinceramente, nunca me dei ao trabalho de saber sobre o que eu tinha.
Também nunca me interessei em tomar remédios pra controlar isso porque nunca achei que iria querer continuar fértil por tempo o suficiente pra ser mãe. O que é outra loucura, porque eu sempre me vi (em meu universo paralelo) mãe de duas meninas, no mínimo. Mas as "dificuldades de ser mãe nos tempos de hoje" e todo esse blablablá me diziam que era melhor esquecer esse desejo.
Hoje eu vejo que me deixei muito largada quanto aos meus ciclos. É provável que esse pensamento tenha feito os meus hormônios e meu corpo se rebelar contra mim. Meus ciclos nunca foram regulares quando eu estava em depressão. Embora tenha sido agraciada com fluxos médios, cólicas de baixo nível (até no meu parto a minha pressão uterina era suportável, pode ser uma graça divina ou alta resistência à dor, mas nem importa). Depois de Anne, meus ciclos são tão regulares quanto nada na minha vida já foi um dia. Deve ter muito a ver com o fato de que sim, eu nasci pra ser mãe e essa seja a resposta do meu corpo pra dizer que eu estou no caminho certo.


Comentários

Postagens mais visitadas

Facebook