Eu sou livre (libro=livre) - Parte 2
Entrando ainda mais profundamente na questão de sexualidade, acordei de um sono meio inquieto agora a tarde, depois de ter escrito a primeira parte, percebendo que eu ainda estou lutando, então fico pensando em como as coisas que eu estou pensando (a parte do meu cérebro que eu não suporto, onde a Débora existe, e não todos os outros personagens que me representam) elas quebram o meu desenvolvimento do agora, as coisas que eu fiz hoje, e as coisas que eu não fiz hoje por estar em constante conflito.
Basicamente, eu passo muito tempo pensando como o que eu escrevo vai afetar a minha vida, o meu convívio com os meus amigos e familiares. E aí deixo de fazer, ou faço de modo distraído tudo o que eu poderia estar pondo minha energia pra fazer. Como traduzindo um livro que eu estou muito a fim de ler em português, ou fazendo aulas de francês e espanhol, que eu deveria ter feito, mas toda vez que eu penso nisso eu já estou mentalmente cansada. Cansada de estar cercada dos pensamentos alheios sobre a minha vida. Ou seja, eu vejo meus pais, meus tios, meus avós, professores, amigos e todo mundo que eu não consigo processar a homofobia "deles" (os atos, as palavras, o escárnio, os olhares atravessados), na minha própria homofobia (os meus pensamentos que eu talvez tenha algum problema, que eu estou "quebrada" de alguma forma, mesmo que eu conscientemente não acredite nisso). Eu relembro cada vez da minha vida que eles falaram coisas, ou me feriram sem saber ou sem querer (ou querendo mesmo, não importa), e que eu deixei isso me ferir porque em algum outro momento eu reproduzi esse mesmo comportamento que eu não suporto.
Eu passo muito tempo mesmo, odiando a mim mesma por atitudes de quando eu não pensei conscientemente no que estava fazendo / pensando, e outra parte do tempo odiando as atitudes dos outros que me fizeram sentir isso.
Então é isso. Eu não estou sendo sincera com ninguém pois não sou sincera 100% do tempo comigo, tenho medo de todo mundo, da reação de muita gente, não me abro pra elas, e consequentemente deixo de crescer como pessoa.
O que eu posso fazer pra mudar isso? Bem, eu posso, e estou escrevendo sobre isso.
Mas eu sinto, eu sei que isso não é suficiente, ainda estou com medo, tanto que a discussão na minha cabeça ainda está lá. E o medo é definitivamente o meu maior inimigo, sabendo que todos os pensamentos ruins provém dele. Pois eu sei que toda vez que eu pensei em me assumir, de falar abertamente sobre o que eu sinto, penso eu sei que eu estou me acovardando sobre algo que eu quero muito fazer. Cara, como eu quero sair do armário.
Algumas pessoas que eu já empurrei pra fora do armário, por favor, faça isso por mim agora! E infelizmente, eu já fiz isso e é uma das lições mais dolorosas da minha vida foi que eu não podia fazer isso, porque é maldade fazer alguém fazer algo que não está pronta ainda pra aguentar "consequências" (acho o termo consequência tão responsabilizador, não é culpa sua que as pessoas sejam ignorantes, por que a vítima tem que "aguentar as consequências"?!).
Mas bem, isso não vai acontecer. Eu tenho botar o pé pra fora e andar cada um dos degraus. Aí me vejo entre duas escadas, uma que eu ascendo como uma deusa, e outra que eu desço (novamente), para o sótão da depressão e fico lá sofrendo em silencio, no comodo que guardo todas as minhas experiencias com homofobia, e todas as que eu vi acontecendo com outras pessoas, sejam próximas ou noticiadas (vide vídeos que gays são atacados na rua com lampadas fluorescentes, já fazem 6 anos e isso ainda me causa um onda de medo e revolta que não cabe em mim). E infelizmente eu passei diversas vezes por todas essas questões de abrir um pouco a porta do meu armarinho cor de rosa, e sempre desço a porra da escada. Na verdade chego até o meio do caminho e volto a descer. Isso acontece quando eu apago as minhas postagens no facebook, quando eu limito a visibilidade de algumas publicações, quando eu percebo a quanto tempo eu não me permito sentir atração por uma garota, nem nos meus pensamentos; isso, especificamente me quebra. É recusar tudo o que eu lutei pra chegar em épocas que eu sei que eu lutei pra ter voz. Eu era uma adolescente e tive mais coragem, mais voz do que eu tenho agora. A "rebelde sem causa" sabia que tinha causa pra lutar e lutou. Por que me acovardar agora?
Ou seja, pra mim, não vale mais a regra que sempre regeu a minha vida de ser uma pessoa em um lugar e outra pessoa em outro.
A solução:
Eu poderia ser mais simples e listar o tanto de pessoas que não ligam pra isso, e lugares que eu não teria que me preocupar em ser "heteronormativa". Agradecer por eles, e seguir a vida sendo grata com as pessoas que eu tenho como amigas que me aceitam do jeito que eu sou. E são muitas. Pessoas que eu estava presente nos momentos de indecisão se saiam ou não do armário. Pessoas que eu gostei de passar uma imagem mais forte de aceitação. Pessoas que eu sei que me veem como alguém bem resolvida. E que eu sou, mas esqueço quando me distraio;
Mas (porém, contudo, todavia) uma parte de mim ainda fica rebatendo com coisas do tipo: "O não saber me mata por dentro. Eu preciso saber quem me aceita. Preciso de nomes, preciso dos rostos, preciso dessa aceitação pra seguir em frente dessa questão. Não importa mais nem se serão mais ou menos pessoas. É conhecer, saber quais olhares que estão aqui na minha mente são reais. E quais são os imaginários. E precisamente saber que nenhum deles tem o direito de me tirar a liberdade do que eu sinto e faço. "
Mas a real, eu não preciso saber. Nem quero saber. Só quero que as lembranças e que o futuro sejam livres da violência, da negação e do preconceito. Eu preciso ter consciência e maturidade pra saber que eu não posso mudar o que já passou, e nem posso prever o futuro e o movimento de outras pessoas em suas próprias vidas e limitações; Mas eu posso mudar o meu presente, e todos os dias mudar um tantinho mais, até que a dúvida desapareça.
A ação. Eu comecei a ficar muito presa em situações que eu não queria estar, por isso dois posts sobre o mesmo assunto no mesmo dia. Eu me distraí na realidade paralela mais complicada, aquela que eu me vejo em situações. A mais fácil de explicar também. Mas no meu coração, eu sei o que fazer. Apesar da resistência por tantas outras amarras, eu sempre tive e tenho uma história já trilhada em que eu posso basear tudo o que eu quero ser como pessoa. O que eu preciso agora é ser essa pessoa.
Começo um novo curso hoje.
by Kerstin Deinert
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