"What happened at the New Orleans?"

Vou falar aqui, acho que pela primeira vez, sobre o que aconteceu em 2013.
Em 2013 eu passava por um período complicado. Tanto que eu não escrevia mais. Passava minhas tardes lendo livros, tinha desistido da faculdade já, como eu falei nesse post "como foi a universidade?", passei por um tempo sem saber muito o que fazer (na verdade, sem saber nada, e hoje nem certeza de que sei, eu tenho... mas segue).
 E foi nesse meio tempo que 2013 ACONTECEU. Digo com letras maiúsculas porque definitivamente esse ano foi um acontecimento, e suas consequências reverberam até hoje, quatro anos depois, para o bem ou para o mal.
Já faz bastante tempo que eu não vejo televisão, tanto por não achar nenhum conteúdo digno quanto o fato de que eu acho matérias "melhores", sem tanta deturpação na internet. Ou ao menos com opiniões mais diversas; mas naquele ano eu passava muito tempo no facebook. Muito mesmo, eu passei realmente por essa fase de vício, não conseguia sair dele, jogava até the sims online na época. Eu apaguei muitos registros do que aconteceu naquele ano, mas no tumblr ainda dá pra ver muito do que aconteceu.
Algumas manifestações contra a passagem de ônibus ocorriam no sul do país. Nada de novo, sempre existirão, e embora eu seja altamente contra esses preços abusivos pra um serviço que deveria ser público, eu nunca tinha ido a nenhuma passeata da região onde eu moro. Lembro até de ter comentado com minha mãe "isso não vai dar em nada...", porque era sempre assim, nunca havia diálogo e os preços sempre subiam, independente do que acontecesse, o quanto que quebrassem, xingassem e ameaçassem o governo. Minha mãe respondeu: "Mas é assim que se faz alguma coisa" ou algo assim. Ela quis dizer que para se modificar algo, ao longo da história, era assim que as coisas precisavam ser feitas, pelo meio de protestos e revoltas populares. Pelo menos foi o que eu entendi.

Mas as coisas começaram a se modificar. Do nada não era mais uma questão de preço de passagem, a questão é que não nos levavam à sério. A faixa etária foi considerada, a geração foi instigada, fomos chamados de inúteis, basicamente. E isso incomodou bastante. Quem não lembra do vídeo do comentarista da Globo tendo que se retratar depois de ter dito que a classe média que protestava "não valia nem 20 centavos"? Foi um ano estranho. Eu descobri muita coisa, depois. Na verdade, até anos depois. Primeiro é que eu não era parte da classe média do qual ele falava. Mas isso vem depois, então vamos falar disso quando chegar a hora; Nesse momento, se atente ao fato de eu ter ficado muito irritada. Porque não é que nós, pessoas jovens, com seus vinte e poucos não quiséssemos o melhor, queríamos. Mas ouvimos, e convivíamos com fato de que nada do que fizéssemos mudaria nada. O sistema sempre vencia. Mas quando milhares foram para as ruas a sensação é de que éramos mais que pessoas derrotadas pela opressão do Estado, que éramos um grupo unitário, que éramos maiores.

E é incrível o quanto que as coisas vinham deturpadas ao nosso conhecimento. Do mesmo jeito que éramos tidos como baderneiros (me incluo porque comecei a ir logo depois e bem, vocês verão o que aconteceu), mas se fôssemos pra internet acharíamos pessoas apanhando sem motivo por policiais, que são conhecidos por fazerem isso mesmo. Achamos casos de pessoas presas sem fazer nada... e bem. Isso bateu uma revolta antes nunca vista. Eu nunca tinha sentido tanta coisa errada, tanto a situação de como somos manipuláveis e como somos manejados de uma lado para o outro sem que nem percebamos.

A questão toda se viu uma briga de poderes, obviamente. Participei de uma passeata do Derby até o Marco Zero, encontrando diversos amigos, conversando e discutindo coisas com desconhecidos nos ônibus, dezenas de milhares, ou até milhares mesmo de pessoas na Av. Conde da Boa Vista. Mas no fim do dia, quando algumas pessoas já estavam sendo assaltadas, algumas brigas começaram a rolar, algumas pessoas começaram a beber, eu comecei a ver o quanto aquilo tudo era um grande carnaval. Eu acreditei em algo, mas saí dali com sentimento de que estávamos competindo com os outros estados. Mais como uma coisa de "a gente pode ser tão revolucionista quando o pessoal da Avenida Paulista". Eu vi gente ali que não condizia com a realidade que eu via. Pessoas diversas, mas uma parte chamava muito a atenção porque ela não era vista saindo de seus prédios altos, nem se dando ao trabalho de sair de casa de ônibus e ir andando do meio do caminho, que era onde dava pra chegar ao local com todos os ônibus parados, quando podiam ir com seus carrões pra qualquer lugar.

Eu vi a classe média. Mas achei que isso era algo bom, que queríamos o mesmo. Que estávamos lutando pela democracia. Para que ela chegasse a todos, para termos todos acesso à uma vida digna. Não era bem assim, e eu demorei pra perceber.

O segundo protesto deveria ter sido grande, mas não foi. Estavam lá as pessoas que normalmente já iam protestar, os estudantes, negros, desfavorecidos. A primeira vez foram muitos amigos. Dessa vez ninguém quis ir comigo. Tudo bem, fui sozinha mesmo assim. Estava visivelmente mais abalada dessa vez. Porque ninguém quis sair de casa quando as coisas se tornavam ainda piores?
Esse protesto foi muito mais significativo porque foi explicitamente contra a repressão policial que estava ocorrendo por parte não só do governo, mas da violência desnecessária dos policiais.

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Eu juro, eu tentei terminar esse post. Comecei ele em março, começo de abril eu fiz boa parte dele, mas é maio agora e eu não consigo finalizar. Não do modo que eu pensei primeiramente, como eu gostaria de contar. Mas acho que meu stress pós traumático não melhorou tanto a ponto de me fazer abrir tudo, ainda mais depois de ver que as mesmas coisas ainda estão acontecendo.
Aí eu vejo isso:

Posso dizer apenas que eu me lembro de um policial batendo na cabeça de alguém, e que eu puxei um celular que nem estava gravando para tentar parar aquele ato de barbárie, que na minha cabeça só acontecia na televisão. E eu lembro dele vir surtado pra cima de mim com um cassetete; lembro de perder os óculos quando caí, não lembro da dor das marcas de cassetete que foi visível nos dias seguintes; lembro de uma senhora tentando me defender no meio da Agamenon Magalhães afirmando que eu não tinha feito nada. Lembro de perguntar pra onde eu estava sendo levada, atordoada. O resto, juro, mal me lembro, mas foi noticiado nos jornais locais. No outro dia eu mal consegui sair da cama, mas saí pra ter de ver meu rosto na internet e as opiniões se dividindo ainda mais. O resto eu nem estou disposta a comentar. As pessoas que eu preferia não ter escutado, as ajudas que eu não recebi, o apoio que eu não tive. Ainda está guardado com muita mágoa. E eu nem queria isso, eu queria que isso fosse algo que eu me orgulhasse. Eu queria proteger alguém. Mas ao contrário, se tornou algo que me enojei das pessoas ao meu redor. A maioria, não todas. Mesmo assim, foi traumático, mas ainda meio nostálgico. Porque essa falta de apoio moral pra enfrentar opressões sociais é algo tão normal por aqui... tão normal.
Estou puta, triste e com mais raiva agora do que antes. Não queria ter revivido esse momento sem estar bem, não devia ter feito isso comigo. Fiz porque sou teimosa e gosto de desafiar minha depressão.

Termino vendo uma montagem, um vídeo ridículo, com a minha imagem, que me deixa com raiva e que me deixou com raiva nesses últimos -quase- quatro anos, e que infelizmente ainda vou ver muito pelos próximos anos, Deus queira que não pela minha vida inteira.
O post começou com o título "Meu lugar é na rua", mas termina de forma diferente, porque mesmo que eu ame participar de manifestações nas ruas, eu não faria o que eu fiz de novo. E minha covardia me envergonha e entristece. E amava a coragem que eu tive de ir, mesmo sozinha, pra ver o que era estar num cenário desses e entender o que é um cerco policial, o que é estar no meio protegido por apenas uma camisa no rosto. Eu não tenho mais psicológico pra isso, nem pra ver pessoas como eu passarem por isso. Fico triste por não saber o que aconteceu com o cara na minha frente de touca amarela e laranja, que é provável que tenha ficado bem, mas que eu nunca cheguei a ver o rosto. E pelo rosto de quem me bateu que não sai da minha cabeça;   

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