Nicole Richie e minha história com representatividade | iT' Matters
Eu pensei em escrever esse texto, depois desisti, mas sempre que volto pro título eu abro, só que nunca termino sem fechar a página e ir procurar mais o que fazer.
A verdade é que esse é um daqueles posts muito pessoais e vergonhosos pra cacete, mas eu preciso por ele pra fora.
Um dia, não lembro mais quando, eu estava escutando o podcast dos Filhos da Grávida de Taubaté (Diva Depressão + Maíra Medeiros) e num dos comentários sobre como era a internet nos anos 2000 e como desbravamos a duros custos quando aqui era tudo mato e esse papo de gente "novos-velhos", eu me teletransportei pra 2006. Juro que acabei tirando os os fones de ouvido e rindo porém com lágrimas nos olhos, me lembrei com perfeita clareza o momento que eu odiei ser eu porque eu nunca ia ser igual à Mari Moon ou à Apê, que na época era a minha referência de beleza. Uma menina branca que usava talco na cara pras fotos do fotolog.
A época do MySpace, do orkut e fotolog, e consequentemente dos primeiros "famosos por nada" foram decisivos na construção de uma vida penosa de autodepreciação. Juro, eu fico pensando em qualquer outra situação em que eu poderia me espelhar em alguém que pudesse ser mais tóxica do que a época entre os anos 90' e 10'. Se espelhar em cantores, atores, artistas em geral... até em modelos de passarela era muito mais aceitável. Mas aquelas pessoas só... eram elas. Eram brancas, magras, seguiam apenas um padrão de beleza que eu nunca poderia seguir.
E eu tentei, com afinco me encaixar.
Numa época em que eu via como fashionistas, as que lançavam as tendências e tudo o que você poderia seguir pra ser melhor, e no caso melhor era ser o mair parecidas com elas possíveis, os modelos se concentravam em Heidi Klum (e mais uma porrada de Angels da Victoria Secrets), gêmeas Olsen, Lindsay Lohan, Paris Hilton, Britney Spears, até a P!nk, Alanis Morissette, Amy Lee, ou Avril Lavigne, as detentoras da bandeira "as diferentes", todas brancas, olhos claros, cabelos lisos ou ondulados a babyliss; e a única negra considerada bonita (ainda por um grupo bem diferentão, os que amam o "exótico").
Até hoje entre as novas belezas está mais fácil encontrar asiáticas que negras. Acho importante porque antes nem se misturavam, mas vamos combinar, a beleza negra ainda é posta no seu cantinho do "além do normal". E já começa do fato de termos esse conceito de que há uma separação entre a beleza "normal", a que engloba todas as outras etnias(que conseguem se passar por bronzeado) e a "beleza negra" (pele escura, cabelo crespo, traços marcantes e grossos). É um conceito tão enraizado que acho que é uma daquelas coisas que não poderão mais ser erradicadas
Mas voltando ao meu pequeno mundinho adolescente.
Eu não era uma preta retinta, mas era uma "não branca". Naquela época nunca ninguém me chamava de negra, eu sendo mais clara que meu pai, mãe, avós, tendo uma avó branca apenas. Eu era branca pra eles, invisível/moreninha para os conhecidos, mas na minha cabeça eu só precisava de outra pessoa "não tão negra, nem tão branca" com algum estilo pra me espelhar.
O negócio é que eu achei alguém muito estranha pra me espelhar.
Essa era a Nicole Richie nesse tempo:
Eu passei por um período transicional na pre adolescente que, dado às circunstancias atuais, acho até esperado, mas que na época era tudo muito diferente, muito novo, que é ser um millenial 0.1. Sair de um modelo do que se espera de você para outros enlouqueceu muito a cabeça das pessoas nessa época. Antes as coisas eram simples. Ou você era arrumada, logo, patricinha, ou era inteligente, logo, nerd/cdf(lembrando que nerds cult/cinéfilos/geeks ainda entravam tudo nessa categoria) e os revoltados, que eram basicamente todo o resto, aqueles que "davam problemas pros pais" (e isso misturava realmente todo mundo, os lgbt, os roqueiros, os ateus, os gamers insociáveis, os depressivos/góticos, os gordos[que não se encaixavam em tribo nenhuma]... basicamente essa galera toda acaba junta em algum momento). Enfim, tinha essas "tribos" e os pais tinham até uns manuaizinhos pra ler da banca de revista e tentar classificar o filho assim ou assado.
Até que chegaram as novas plataformas. Os blogs, as redes sociais, até os reality's shows; eles também tiveram sua parcela de culpa em fazer o mundo entender que existe muita gente, mas muita muita gente diferente no mundo.
E o negócio de internet acessível é que as coisas ficaram loucas. Ninguém sabia mais quem era o que. Foi um pandemônio, todos os grupos se subdividindo em pequenas facções e formando seus próprios rituais e esquisitices. Meio que 2012/3 que todo mundo agora tinha que ter formação política, sabe?!
Legal pras marcas, que diversificaram tudo e toda nova onda eram mais e mais compras para um bando de adolescentes loucos por aceitação, nesse caso.
Ruim ficou pra quem tava ainda pegando o bonde dessas mudanças todas.
E pessoinhas negras em ambientes brancos como eu, bem, nos perdemos. E aparentemente a Nicole também tava bem perdida.
Após passar anos sendo "a amiga feia" da Paris Hilton, alguma coisa mudou nela. E isso foi até motivo de separação definitiva da dupla de Simple Life. A Paris era e sempre foi uma patricinha por... bem, ser rica, branca, loira e não ter nada melhor pra gastar o próprio dinheiro. Mas a Nicole, que nem sempre tinha sido uma Richie, era uma filha adotiva de um dos cantores negros mais famosos dos anos 80' e meio que estava no mesmo barco que eu.
Ela é o que mais consigo ver o efeito "white-washed". Ela foi lavada e claramente embranquecida; com o perdão desse trocadilho horroroso.
A linha do tempo (impressões através de fotos e do que eu tenho conhecimento da vida dela, não assisti Simple Life nem uma única vez na vida/ bom que ela tem uma base de fãs forte no tumblr ainda).
Simple Life começa em 2003 - 1ª temporada
A Nicole era uma menina gordinha que já fazia muita besteira mas parecia uma adolescente e parecia que não ia adultecer tão cedo.
No final da primeira temporada ela já parecia bem mais magra.
Terminada em 2007, na 5 temporada e começando o que seria quase o fim da minha vida. E o da Nicole também. Ela passou pelos mesmos problemas na mesma época, só que trocentas vezes mais rica e dopada.
Mas famintas estávamos as duas.
De amor, de compreensão e de lugar no mundo. E de comida principalmente.
O reality dela é até uma brincadeira com essa dualidade da vida, embora a história da adoção tenha sido revelada publicamente bem recentemente, em 2016. Candidly Nicole = candida Nicole ou franca Nicole?
Fato é que a Nicole se encontrou com o marido, os filhos, suas bijous étnicas, escreve livros (já tem 3 publicados) e vive de boa agora sendo famosa por ser ela mesma. Ainda é um puta paralelo com a minha vida de algum jeito.
A verdade é que esse é um daqueles posts muito pessoais e vergonhosos pra cacete, mas eu preciso por ele pra fora.
Um dia, não lembro mais quando, eu estava escutando o podcast dos Filhos da Grávida de Taubaté (Diva Depressão + Maíra Medeiros) e num dos comentários sobre como era a internet nos anos 2000 e como desbravamos a duros custos quando aqui era tudo mato e esse papo de gente "novos-velhos", eu me teletransportei pra 2006. Juro que acabei tirando os os fones de ouvido e rindo porém com lágrimas nos olhos, me lembrei com perfeita clareza o momento que eu odiei ser eu porque eu nunca ia ser igual à Mari Moon ou à Apê, que na época era a minha referência de beleza. Uma menina branca que usava talco na cara pras fotos do fotolog.
A época do MySpace, do orkut e fotolog, e consequentemente dos primeiros "famosos por nada" foram decisivos na construção de uma vida penosa de autodepreciação. Juro, eu fico pensando em qualquer outra situação em que eu poderia me espelhar em alguém que pudesse ser mais tóxica do que a época entre os anos 90' e 10'. Se espelhar em cantores, atores, artistas em geral... até em modelos de passarela era muito mais aceitável. Mas aquelas pessoas só... eram elas. Eram brancas, magras, seguiam apenas um padrão de beleza que eu nunca poderia seguir.
E eu tentei, com afinco me encaixar.
Numa época em que eu via como fashionistas, as que lançavam as tendências e tudo o que você poderia seguir pra ser melhor, e no caso melhor era ser o mair parecidas com elas possíveis, os modelos se concentravam em Heidi Klum (e mais uma porrada de Angels da Victoria Secrets), gêmeas Olsen, Lindsay Lohan, Paris Hilton, Britney Spears, até a P!nk, Alanis Morissette, Amy Lee, ou Avril Lavigne, as detentoras da bandeira "as diferentes", todas brancas, olhos claros, cabelos lisos ou ondulados a babyliss; e a única negra considerada bonita (ainda por um grupo bem diferentão, os que amam o "exótico").
Até hoje entre as novas belezas está mais fácil encontrar asiáticas que negras. Acho importante porque antes nem se misturavam, mas vamos combinar, a beleza negra ainda é posta no seu cantinho do "além do normal". E já começa do fato de termos esse conceito de que há uma separação entre a beleza "normal", a que engloba todas as outras etnias(que conseguem se passar por bronzeado) e a "beleza negra" (pele escura, cabelo crespo, traços marcantes e grossos). É um conceito tão enraizado que acho que é uma daquelas coisas que não poderão mais ser erradicadas
Mas voltando ao meu pequeno mundinho adolescente.
Eu não era uma preta retinta, mas era uma "não branca". Naquela época nunca ninguém me chamava de negra, eu sendo mais clara que meu pai, mãe, avós, tendo uma avó branca apenas. Eu era branca pra eles, invisível/moreninha para os conhecidos, mas na minha cabeça eu só precisava de outra pessoa "não tão negra, nem tão branca" com algum estilo pra me espelhar.
O negócio é que eu achei alguém muito estranha pra me espelhar.
Essa era a Nicole Richie nesse tempo:
Eu passei por um período transicional na pre adolescente que, dado às circunstancias atuais, acho até esperado, mas que na época era tudo muito diferente, muito novo, que é ser um millenial 0.1. Sair de um modelo do que se espera de você para outros enlouqueceu muito a cabeça das pessoas nessa época. Antes as coisas eram simples. Ou você era arrumada, logo, patricinha, ou era inteligente, logo, nerd/cdf(lembrando que nerds cult/cinéfilos/geeks ainda entravam tudo nessa categoria) e os revoltados, que eram basicamente todo o resto, aqueles que "davam problemas pros pais" (e isso misturava realmente todo mundo, os lgbt, os roqueiros, os ateus, os gamers insociáveis, os depressivos/góticos, os gordos[que não se encaixavam em tribo nenhuma]... basicamente essa galera toda acaba junta em algum momento). Enfim, tinha essas "tribos" e os pais tinham até uns manuaizinhos pra ler da banca de revista e tentar classificar o filho assim ou assado.
Até que chegaram as novas plataformas. Os blogs, as redes sociais, até os reality's shows; eles também tiveram sua parcela de culpa em fazer o mundo entender que existe muita gente, mas muita muita gente diferente no mundo.
E o negócio de internet acessível é que as coisas ficaram loucas. Ninguém sabia mais quem era o que. Foi um pandemônio, todos os grupos se subdividindo em pequenas facções e formando seus próprios rituais e esquisitices. Meio que 2012/3 que todo mundo agora tinha que ter formação política, sabe?!
Legal pras marcas, que diversificaram tudo e toda nova onda eram mais e mais compras para um bando de adolescentes loucos por aceitação, nesse caso.
Ruim ficou pra quem tava ainda pegando o bonde dessas mudanças todas.
E pessoinhas negras em ambientes brancos como eu, bem, nos perdemos. E aparentemente a Nicole também tava bem perdida.
Após passar anos sendo "a amiga feia" da Paris Hilton, alguma coisa mudou nela. E isso foi até motivo de separação definitiva da dupla de Simple Life. A Paris era e sempre foi uma patricinha por... bem, ser rica, branca, loira e não ter nada melhor pra gastar o próprio dinheiro. Mas a Nicole, que nem sempre tinha sido uma Richie, era uma filha adotiva de um dos cantores negros mais famosos dos anos 80' e meio que estava no mesmo barco que eu.
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Uma intrusa. |
A companheira engraçadinha/esperta. |
Ela é o que mais consigo ver o efeito "white-washed". Ela foi lavada e claramente embranquecida; com o perdão desse trocadilho horroroso.
Engraçado como você consegue tirar a negritude de alguém deixando ela cada vez mais loira. Beyoncé que o diga. |
Simple Life começa em 2003 - 1ª temporada
A Nicole era uma menina gordinha que já fazia muita besteira mas parecia uma adolescente e parecia que não ia adultecer tão cedo.
Ao longo das coisas que aconteciam ao redor da Paris, vazamentos de sextape e a sua super exposição, ao lado de várias famosas. Inclusive muitos afastamentos e amizade reatada ocorreu durante e depois das gravações. Eu consigo me situar um pouco pelos cortes de cabelo. O chanel médio me lembra muito a fase mais glamourosa, e acho que eu comecei a prestar atenção no estilo dela. Eu lembro de ter procurado inspiração nela numa época em que eu quis desesperadamente emagrecer, entre os anos 2006/07. Foi uma época em que a era do celebridade estúpida já tinha acabado. As "heroin chic" estavam em alta (estilo dos anos 90' muito bem situado nos anos das trevas de 00'). Foi o ano em que eu vi a Amy pela primeira vez na MTV. Foi o ano do Joel trocar a Hillary Duff por uma socialite meio louca que dirigia drogada, e tudo isso aconteceu enquanto eu tentava desperadamente ser "mais bonita" (a.k.a. branca). Mas, hey, foi um puta feito. Até a VJ da MTV da época deu um "Sério?! Pela Nicole Richie?"
Celular de flip rosa... já foi o sonho de consumo. Um dia compro essa coisa só pra dizer que tive. |
Achei uma puta sacanagem. Eu nem conhecia muito ela nem nada, mas o fato de uma negra, mesmo uma "lavada", tivesse passado por cima de uma das princesinhas do pop já deu motivo pra eu cair de cabeça no estilo da Richie.
E nesses anos ela começou a se vestir de um jeito muito desolado, arranjou uma personal stylist, a Rachel Zoe, que melhorou mil vezes a imagem dela e se tornou o meu ícone fashion (até hoje). O estilo praieiro misturado com bohochic me conquistou muito. Era fácil de conseguir as peças, eram confortáveis e até bem barato.
Terminada em 2007, na 5 temporada e começando o que seria quase o fim da minha vida. E o da Nicole também. Ela passou pelos mesmos problemas na mesma época, só que trocentas vezes mais rica e dopada.
Mas famintas estávamos as duas.
De amor, de compreensão e de lugar no mundo. E de comida principalmente.
Tendo quase o mesmo tipo físico da Nicole, eu achava muito que poderia ficar igual à ela. Temos poucas pessoas baixinhas pra nos espelhar normalmente, mas o legal do estilo heroin chic era justamente que ele era encabeçado por pessoas bem baixas pros padrões de beleza. Padrões acima de Misha Barton, a itgirl do ano, com seu 1,75m. Kate Moss com 1,70 era considerada muito baixa no mundo da moda, Mary Kate Olsen com seus 1,57 era uma diva mesmo com os casacos de pele tristes que usava; e a Nicole era a mais próxima a mim. Eu meço um e meio e ela só tem cinco centímetros a mais. Se eu pudesse ser magra como elas estaria a um passo do poder que eu imaginava que elas tinham do próprio corpo. Ela tem umas fotos em festas com Lindsay Lohan bem longe de serem saudáveis, mas era 2007 e a Briney estourava carros com guarda chuvas.
E eu não me enganava, elas pareciam, mesmo naquela época, que não tinham ideia do que fazer com suas vidas. Mas eu também era assim, perdida, mas amando moda acima de tudo. Queria ser designer de moda na época. Coisas que hoje elas são... e temos a volta esse estilo meio doente de épocas em épocas. Em 2013, no Japão, e pra Nicole também, logo quando ela lançava seu novo reality, o Candidly Nicole. E mesmo sem desejar isso, a mim também. Na época eu não acompanhava mais ela, mas acompanhava ainda um pouco da moda japonesa. Coincidentemente eu emagrecia, muito pelo stress e pela pressão de estar bem depois de uma gravidez que me deixou largamente inchada.
Mas é que isso acontece mesmo. Infelizmente ainda me sinto muito parecida com a Nicole em muitos aspectos. Principalmente com essa coisa de ganhar e perder peso dependendo do nível de felicidade e estresse, respectivamente. Falando nisso, outra que passou pelo efeito sanfona parecido foi a Christina Aguilera. As paranoias continuam quando você já teve disturbios alimentares.
E falando em Christina, vamos falar do que eu hoje tenho mais vontade de me distanciar e ao mesmo tempo ainda me sinto tão ligada à uma socialite norte americana é o fato de que a etnia da Nicole ser ambígua (ligando à Christina pq por um tempo ela até foi negra!).
Uma coisa a se pensar sobre os Richie é que eles são uma família não convencional.
Lá os americanos tem seus próprios sistemas de miscigenação. O que importa é, Nicole foi criada num ambiente branco porque o seu pai tinha dinheiro Ela era amiga desde os 3 anos da Paris Hilton, que é basicamente uma versão mulher do Donald Trump...
Os dois pais são negros, mas ela é adotada.
E boatos falam muito sobre os pais biológicos de Nicole. Sim, ela foi adotada por uma família negra, mas dizem (ela negou) que ela é sim filha de um "afrolatino" e mãe branca. Mas pais afro-americanos que a criaram, e afinal vamos ficar um milhão de anos discutindo se ela é ou não negra, quando ela claramente (esse trocadilho de novo) não é branca.
O reality dela é até uma brincadeira com essa dualidade da vida, embora a história da adoção tenha sido revelada publicamente bem recentemente, em 2016. Candidly Nicole = candida Nicole ou franca Nicole?
Fato é que a Nicole se encontrou com o marido, os filhos, suas bijous étnicas, escreve livros (já tem 3 publicados) e vive de boa agora sendo famosa por ser ela mesma. Ainda é um puta paralelo com a minha vida de algum jeito.
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