Como foi a universidade?

Olá.

Vamos lá, ao primeiro post que eu acho realmente incômodo de escrever, mas que queria compartilhar.Eu sou uma desistente, uma vez desisti do último ano do ensino médio, mas essa aí é assunto para outro post desagradável que eu ainda irei me forçar a escrever. Mas o importante é que tudo o que me faz pensar que eu vou passar mais tempo do que eu gostaria numa determinada atividade me faz querer desistir. Sempre. Algumas coisas são muito passageiras, e eu consigo contrapor, como ir ao curso de inglês aos sábados... eu amo inglês, por isso não quero desistir, mas às vezes, de manhã cedo quando eu não queria ter que acordar, eu penso: "cara, eu poderia fazer outra coisa com esse dinheiro..." mas tudo isso vai embora quando eu estou em sala de aula aprendendo algo que eu gosto de verdade e que me é útil 60% do meu tempo. Mas não são esses os motivos dos quais eu decidi escrever sobre isso. Eu queria que alguém entendesse, porque é óbvio que quando eu escolho alguma coisa que eu não entendo a sua complexidade, no momento em que a decisão é tomada, eu confundo as pessoas à minha volta. Isso causa uma raiva inimaginável nos outros, eu imagino. Pois parece que eu faço as coisas sem pensar, e na verdade nem é isso, eu penso demais, e provavelmente é esse o meu problema. Pode ser que eu seja mesmo irresponsável, mas não acho que seja pelas decisões que eu tomo, e sim pelas que eu escolho não tomar. Eu por muito tempo não escolhi o chamado da minha vida, e hoje eu finalmente entendi e assumo que eu estava fugindo de mim mesma. Por isso a decisão de voltar à faculdade.

Eu desisti da vaga numa faculdade pública uma vez. Por milhares de motivos, mas depois de muita autoavaliação, eu vi coisas que eu não queria ver. Entenda, eu sempre tentei me esconder em meio a desculpas, explicações viáveis, e sim, por mais que eu tenha algumas, a única coisa que me faz realmente desistir de alguma coisa são meus sentimentos, porque eu não consigo, nunca consegui controlá-los.
Quando eu entrei na faculdade foi por um motivo claro de que eu devia isso aos meus pais. Porque eu (como a maioria dos estudantes que não entende a dinâmica estranha da "meritocracia" brasileira, que diz que você só vai ter sucesso se você passar em um exame que é aplicado uma vez por ano e é completamente aleatório e que esquece que as pessoas tem talentos que não são mensuráveis por uma prova) tinha em mente de que passar nesse teste compensaria o estresse com as minhas notas no ensino médio, o dinheiro gasto com escola particular, e toda um preocupação pelo meu futuro quando eu engravidei aos dezoito anos.
Eu passei, mas não sabia que curso por no SISU. Estava completamente perdida, sem expectativas, e claro, estava muito focada na época no meu desespero de "o que eu vou passar para a minha filha se eu não consigo nem ver futuro na minha vida".
Escolhi pedagogia. Uma prima minha fazia, e eu achei que no mínimo seria útil para tentar um rumo de criação para Anne, já que eu nesse ramo também estava perdida.

Eu sabia desde que eu pisei na universidade que eu não ia durar muito tempo. Primeiro porque ir acompanhada de um bebê de colo fazer a matrícula não foi nada legal, até porque esqueci uma parte dos documentos e tive que voltar e pegar, segundo porque era uma viagem longa e cansativa e já podia imaginar como seria fazer aquilo todo dia de ônibus. Bem, estava certa, mais tempo passava no trânsito do que em aula. Reprovei uma matéria porque nunca chegava a tempo da chamada, o que me deu muita raiva já que a prova não tinha sido ruim, eu reprovei por "falta" mesmo, embora tenha assistido as aulas.
Eu não consegui me enturmar. Estava tão acostumada a ser a diferente e me sentir bem com isso que foi um choque muito grande entrar numa sala e ver que eu era igual a todo mundo. Me senti extremamente deslocada. Eu poderia ter tentado, mas quando via que a minha situação era diferente por ser mãe, por ter que voltar para dar de mamar a Anne ao invés de conhecer os meus colegas... me deu um desânimo sem precedentes. Além do fato de que não entendia as matérias num todo porque não estava familiarizada à dinâmica, não entendia as reuniões, as formalidades do corpo docente, blablabla, e todo esse pormenor de faculdade pública. Não leve para um lado de falta de inteligência, as minhas notas eram até razoáveis, mas essa parada de trabalho em grupo, correr atrás de pesquisadores e educadores em escolas, PIBID, tudo isso me dava cansaço só de pensar.
Mas algo que realmente me incomodava, e eu não sei porque até hoje me incomoda até pensar em como eu pensava na época, era como eu me apresentava. Eu me sentia desconfortável no meu corpo. Em casa, tudo bem, ninguém me via, ou ninguém que já não me conhecesse antes. Mas desde o caminho de ida até a volta eu me sentia analisada como se aqueles aparelhos de monitoramento de aeroportos estivessem a cada passo que eu dava. Eu não conseguiria explicar o quanto de pânico isso me dava. Mas, mais que tudo naquela época, eu queria ter alguém, alguém que me dissesse que eu estava bem, e bonita. Porque era insuportável o fato de que eu não me achava, e em um ambiente desconhecido porém nem de longe hostil, eu me sentia prestes a ser devorada por leões em uma savana. Tenho certeza de que as pessoas de lá nem se lembram de mim; escontrei com duas pessoas da minha sala em dois dias distintos e foi definitivamente os encontros mais desconfortáveis da minha vida.
Lendo mais sobre outras meninas que se sentem desconfortáveis no ambiente das universidades públicas percebi que a minha maior trava naquela época era o meu cabelo. Eu não lembrava mais, mas naquela época em que eu não me identificava como feminista, nem como negra, nem era ativa em grupos de apoio à beleza da mulher negra (nem hoje sou, mas pelo menos participo e leio, e escrevo sobre), mas eu passava horas que eu deveria estar dormindo e descansando para aguentar uma viagem de quase duas horas de ônibus e mais duas horas e meia na volta (trânsito às 6 da noite em Recife é do capeta) em frente ao espelho alisando os cabelos porque eu não podia passar produtos químicos por conta da amamentação. Eu me sentia horrível na rua, naquele lugar, mas em casa eu amava meus cachos desregulados, meu cabelo crespo... e eu nunca tinha conseguido admitir isso até bem pouco tempo. Eu sentia muita vergonha do meu cabelo, eu com meus botões ficava ouvindo os pensamentos dos outros falando "ela não penteia o cabelo", "ela lava esse ninho?", "cabelo ruim"... todos esses comentários que a gente escuta a vida inteira e reproduz sobre qualquer garota que é igual a você, sem a noção que está fazendo mal a ela e à toda uma geração de mulheres que ainda terão que conviver com o fato de que estão fora do padrão de beleza e que nunca se encaixarão.
Era tão poderosa essa força dos comentários imaginários (e nem tanto, já que de certa forma as mudanças entre paradigmas de imagem só tenho visto em massa de 2, 3 anos pra cá), que eu não usava os cabelos soltos de jeito nenhum quando não estavam chapados, alisados.
Meu cabelo hoje eu deixo que cresça como ele é, pra cima. Espero que eu possa me ver crescer nessa mesma linha de pensamento. O fato de que eu tive que raspá-lo completamente para poder ver que isso era o melhor pra mim, faz até um paralelo interessante. Eu precisei abrir mão de algo, para depois me dar conta de quem eu era, e como lidar com as pressões. Hoje ainda tenho muito o que aprender com o meu cabelo. Até agora nunca deixei ele crescer mais do que ele está agora, e isso também é um paralelo bem aproveitável. Talvez quando eu finalmente conseguir deixá-lo grande e livre eu consiga ser livre e grandiosa também.
Minha cara de total "o que eu estou fazendo aqui" em relação às carinhas felizes das coleguinhas, dá pra reparar?
 
Só depois de ter entrado de cabelo e cabeça no mundo em que estamos inseridos, saber de como as coisas funcionam não só no meu circulo de amizades, mas em universidades do Brasil inteiro eu consigo me ver de novo na possibilidade de encontrar numa universidade pública de novo.
Eu não sei realmente o que foi que me fez mudar de idéia quanto a isso já que em maio ainda dizia para o meu melhor amigo que não me via em uma faculdade, achava todo o ambiente falso, as pessoas se tratam e vivem como se fossem construídas pelos livros que leem, pelos professores que as ensinam, pelo curso em que estão inseridos. Tudo parece ser tão igual, e ao mesmo tempo tão diferente do mundo real, aqueles dos quais tantos se deparam perdidos ao sair do meio acadêmico... Tudo isso é a construção de um novo padrão, para que no final, esse padrão se quebre como uma barreira, e no final, você acaba desprotegido quando ao resto do mundo. Pode não ter feito sentido, até porque, para mim sintetizar o que eu vejo ainda é dificil e por em palavras quase uma tarefa impossível. Até que eu entenda porque eu vejo as coisas desse modo, eu não tenho como explicar com precisão. Mas enfim, eu poderia entrar nas questões práticas de cotas raciais, de como o negro é visto dentro desse contexto, mas isso ficará para outro post. Hoje eu queria apenas por em palavras como foi a minha primeira experiência e esperar de todo o coração de que a próxima seja melhor.


 

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